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Livro: Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

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Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

Autor: Adriana Negreiros
Capa: Alceu Chiesorin Nunes e Joana Figueiredo

Lançamento: 08/2018
Páginas: 296
Editora/Selo: Companhia das Letras

A mulher mais importante do cangaço brasileiro, que inspirou gerações de mulheres, ganha agora sua biografia mais completa e com uma perspectiva feminista. Embora a mitificação da imagem de Maria Bonita tenha escondido situações de constante violência, ela em nada diminui o caráter transgressor da Rainha do Sertão.

Em 17 de janeiro de 1910 nasceu “Maria Gomes de Oliveira na paróquia de São João Batista de Jeremoabo”. (NEGREIROS, 2018. p. 15). Em 28 de julho de 1938, ao ser morta pelos soldados que emboscaram o bando de Lampião, nasceu Maria Bonita (idem. p. 235)

Nos anos 1920, Maria Gomes fez o que era atípico para uma mulher da época: abandonou o marido para fugir com um cangaceiro. Mas não era apenas um cangaceiro “comum”, era O Cangaceiro, o rei do cangaço, Virgulino “Lampião”. Em seu livro de estreia, “Maria Bonita”, a jornalista Adriana Negreiros, após vasta pesquisa sobre a história e a vida da rainha do sertão, desmistifica a narrativa que colocava Maria na posição de impetuosa guerreira e explicita as violências às quais mulheres eram submetidas no cotidiano do cangaço

A população das cidades do nordeste viviam em clima de tensão constante, com medo da possível aparição de Virgulino Ferreira e seu grupo. Isso não era um sentimento movido apenas pelo ato deles serem sinônimo de invasões e furtos, mas também pela reação que os homens da lei, que os caçavam, poderiam ter com os moradores locais. Quem vivia no sertão tinha medo de não colaborar com os cangaceiros e ser retaliado. Paradoxalmente, o receio era o mesmo com relação aos volantes da polícia. Ser coiteiro do rei do sertão era garantia de sofrer alguma violência. De ambas as partes.

Um dos maiores medos das famílias era relacionado a segurança das filhas. Diferente do que permaneceu por anos no imaginário coletivo do país, nem toda cangaceira era uma fugitiva em busca de aventura e riquezas. Muitas daquelas mulheres foram sequestradas pelos homens do bando. Talvez o caso mais conhecido seja o da menina Sérgia Ribeiro da Silva.

Conhecida posteriormente como Dadá, a garota de doze anos foi sequestrada e estuprada pelo cangaceiro Cristino Gomes da Silva, que atendia pela alcunha de Corisco, de vinte anos. Não apenas ela, mas várias mulheres foram vítimas da violência sexual cometidas por cangaceiros e policiais nesse período. Aqueles corpos eram, para seus agressores, meros objetos que podiam ser usados e descartados.

A autora narra, como o subtítulo cita, os aspectos das violências, do sexo e das mulheres no cangaço, aprofundando em uma parte da História que não é contada: quem foram as mulheres do bando de Lampião. Adriana recupera a identidade de parte das vítimas da violência do sertão entre as décadas de 1920-1930. Sem amenizar a crueldade existente, Negreiros produziu uma obra com informações pouco conhecidas, ou desconhecidas  sobre as integrantes do bando.

Além do texto “Maria Bonita” contém fotografias dessas pessoas, sendo estas imagens que foram veiculadas nos meios de comunicação durante sua caçada e após suas mortes. A imagem que ilustra a capa é de Maria ao lado de seu cachorro, sob uma moldura que remete a tradicional ornamentação das alpercatas nordestinas. Outra característica do projeto editorial que representa a tradição nordestina é a titulação de cada capítulo. Os títulos são quadrinhas que ao serem lidas em sequencia, no sumário, formam um cordel que narra a trajetória do reino de Lampião, de maneira breve. Uma bela maneira de homenagear essa escrita que hoje é patrimônio cultural brasileiro.

Por falar de violências e sexo, o livro não é recomendado para quem possa se impressionar com as descrições dos fatos. Estes podem ser gatilhos emocionais para quem foi vitima de alguma violência relacionada ao tema da obra. Um livro importante para apontar os problemas enfrentados pelas pessoas que residem em meio a situações de conflito e não podem confiar em ninguém. Mais importante ainda para mostrar a estrutura das violências cometidas contra mulheres por aqueles que as desumanizam e usam de seus corpos como mercadoria descartável.

Yasmine Evaristo

Artista visual, desenhista, eterna estudante. Feita de mau humor, memes e pelos de gatos, ama zumbis, filmes do Tarantino e bacon. Devota da santíssima Trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch, sempre é corrompida por qualquer filme trash ou do Nicolas Cage.

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