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Resenha | Sobre os ossos de seus mortos, de Olga Tokarczuk

por Rafael Assis

No século quinze, um obscuro filósofo chamado Pico della Mirandola fez o
primeiro ataque do ceticismo à astrologia. Para ele as imagens das
constelações seriam eram resultado simples da imaginação humana e que
essas visões eram como fábulas ou poemas. Depois dele, muitos outros
céticos atacaram o estudo místico dos astros, que perdem prestigio sem jamais perder espaço.

Em Sobre os ossos dos mortos, a astrologia desempenha um papel muito
importante. É através dela que a história se revela e também através dela que a trama nos distrai do caminho que quer seguir, ao menos isso é possível apreender. Seria muito da minha parte tentar compreender todo o subtexto da obra de Olga Tokarczuk que se entende por caminhos abrangentes e tem grandes pretensões (se não as tivesse, para que tantas referências a Blake?).

Olga Tokarczuk

Os temas aqui tratados perpassam pelo envelhecer e o deslocamento que isso trás. Deslocamento também de um povo que se recusa a avançar no tempo, e as estrelas que nos regem a todos. A trama se estabelece quando a
protagonista (a qual não nomearei em respeito a mesma) encontra um de seus vizinhos mortos, engasgado com um osso de corça. Não bastasse que o mapa astral do dito defunto indicasse uma morte por asfixia, também indicava que a morte seria causada por um animal. Quando outras pessoas passam a sofrer acidentes e morrer de maneiras misteriosas, com os mesmo indicativos bestiais descritos nas estrelas, a cidade se fecha numa investigação policial enquanto esta senhora tenta avisar as autoridades: Os animais estão se vingando da caça.

Olga Tokarczuk (1962), é o nome mais premiado da literatura polonesa contemporânea. Seus livros já receberam as principais distinções de seu país, além de importantes prêmios para tradução na língua inglesa, como o Man Booker Prize. Em 2019, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

https://todavialivros.com.br/livros/sobre-os-ossos-dos-mortos

A trama, que parece saída de um livro de detetive juvenil, é o ponto mais fraco do livro. Não digo isto com o propósito de desmerecer a premissa, tal qual faria Mirandola, mas sim por que os subtextos da história e sua construção escondem muito mais segredos do que a descoberta de se os animais são ou não os assassinos. Aliás, cabe aqui como exemplo isto. Se chamamos os animais de assassinos, estamos atribuindo-lhes natureza humana. Não seriam melhor a palavra “responsáveis? É uma pergunta a qual o livro nos coloca.

Outra seria sobre as relações humanas. Até que ponto podemos chama-las de humanas? Adotar uma lógica biológica ou filosófica? Humanismo ou
humanidades? Todas essas questões estão na obra, sem que sejam sobre elas ditas nenhuma palavra.

Isso acaba criando uma sensação de anticlímax ao fim, que soa como o final
de uma novela piegas sem qualquer peso ou consequência. Não podemos, no entanto, deixar de entender essa escolha. Pois como na trama, a vida real também é cheia de tragédias, e sempre as deixamos no passado. A pior
tragédia sempre é o fato de que existe um dia seguinte à tragédia, tão comum quanto os dias que a precederam. E seguimos nossas vidas, deixando crimes e passados para trás, como ossos em cemitérios esquecidos sobre os quais caminhamos. 

sobre os ossos dos mortos

Sobre os Ossos dos Mortos

Autora: Olga Tokarczuk
Tradução: Olga Bagińska-Shinzato
Capa: Flávia Castanheira
Edição: 1ª Edição – 2019
Número de Páginas: 256
Editora: TODAVIA EDITORA

12 thoughts on “Resenha | Sobre os ossos de seus mortos, de Olga Tokarczuk

  • Achei a história sensacional, sou apaixonada nas capas e edições dessa editora mas nunca li nada deles. Essa capa então, tá sensacional. Normalmente eles têm una livros mais cults, né?

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  • Ahhhh eu gosto de tudo que tem Astrologia, não conhecia o livro, a primeira coisa que me chamou atenção foi a capa, não tenho dúvidas que vou apreciar a obra, primeiro porque você explanou bem e trouxe elementos que gosto, como a astrologia e as mortes causadas por animais, outro, é que já conheço as publicações da Todavia e sei da qualidade, sobre os pontos que você levantou do aspecto juvenil e a relação humana, não tenho muito o que dizer porque não li.

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  • Que interessante esse papel do qual a astrologia tem sua importância nessa obra.
    Concordo que assim como essa trama, a vida real também é realmente cheia de tragédias, que deixamos no passado. Sobretudo, achei essa edição super bacana e intrigante! Mesmo contendo uma história tão impactante ao meu ver pelo fato dos animais procurarem vingança ou se são ou não assassinos. Gostei de saber a sua opinião sobre a obra e a respeito dos subtextos na história que escondem muita coisa.

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  • Olá!
    Ainda não conhecia a obra, mas fiquei bastante instigada pela premissa.
    Nunca li um livro que tenha astrologia, mas tudo tem sua primeira vez, né?!
    Fiquei curiosa com o desenrolar da história, e espero ler em breve.
    Gostei dessa dúvida dos animais serem ou não assassinos.
    Beijos,
    Subsolo da mente

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  • Então, eu li esse livro em fevereiro e achei ele muito diferente de tudo e qualquer coisa que eu já tenha lido. Gostei bem. As mensagens que ficaram pra mim no final foi que: envelhecer não é fácil (muitas vezes você é desacreditada só por isso); que a vida tem valor (seja humana, animal ou vegetal); e que tomem cuidado ao tocar no precioso do outro.
    Enfim, foi uma leitura que me surpreendeu bastante. Os nórdicos estão sempre um passo a frente na literatura pra mim.
    Abraços

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  • Eu adorei a premissa do livro, e se ela é o ponto fraco, acredito que eu vá gostar bastante da história. Também gostei de se tratar de uma autora polonesa, recentemente comecei a ler The Witcher, que é de um autor desse país, e fiquei curiosa em ler mais autores de lá.
    Abraços,
    Liv

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  • Uau! E sim, estou completamente insana aqui pela belíssima divulgação dessa obra que ainda não conhecia e acabo de ser muito bem apresentada, assim como ao trabalho de Olga Tokarczuk, que tão bem vemos representar a Literatura! Afinal, ganhadora de tantos prêmios importantes no meio literário, com certeza só vem a nos enriquecer culturalmente falando. O misticismo na história ao longo das sociedades, assim como é utilizado nos livros (se bem pesquisado e bem trabalhado, claro!), me atrai bastante! Bjs

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  • Bem, de qualquer maneira eu planejo fazer a leitura do livro. Um amigo tinha me indicado e ele sempre acerta nos meus gostos, pq tem um gosto muito harmonioso com o meu… Bacana essa questão da astrologia inserida na trama… Tô com expectativas altas com essa obra, espero não me decepcionar…

    😘

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  • Oi, tudo bem? Que indicação mais interessante. Amo conhecer autores de outras nacionalidades. No momento estou lendo uma autora Irlandesa. Um país que ainda quero conhecer. Interessante a abordagem da autora. Realmente após o caos sempre vem dias melhores. E devemos deixá-los no passado. Ficar somente com o aprendizado. Um abraço, Érika =^.^=

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  • RENATA CRISTINA

    oiii
    Rafael arrasando na indicação. É um livro que nao conhecia e que com certeza vou amar.
    Amo astrologia, sempre fico caçando coisas pra saber um pouquinho mais

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  • Oi, Rafael!
    Adorei sua análise sobre o livro. Eu já tinha lido outras coisas sobre ele, mas nada assim tão profundo, falando dos significados mais escondidos. Então agora estou bem mais interessada, mesmo considerando sua ressalva.

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