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Crítica “Trama Fantasma”

Trama Fantasma (Phantom Thread, 2017)
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville, Harriet Sansom Harris, Camila Rutherford, Brian Gleeson, Julia Davis, Gina McKee,

Fotografia: Paul Thomas Anderson
Trilha Sonora: Jonny Greenwood

Diretor de Arte: Chris Peters

 

 

O cinema de autor por excelência

Paul Thomas Anderson é um diretor de cinema como poucos. Ele já apresentou trabalhos incríveis. Ainda assim consegue entregar Trama Fantasma, digno dos grandes filmes do passado, candidato a cult e merecedor de vitória nas categorias do Oscar que disputa.

Uma jovem com voz doce começa a descrever aquele que será o herói da história: o lendário estilista Reynolds Woodcock. Um mito da moda, idolatrado pelas mulheres que desejam vestir as obras de arte que são as roupas que cria. O filme em si é sobre essa carreira construída e mantida com excessivo vigor. Manter o alto nível requer escolhas questionáveis, mas o topo costuma ser assim: incompreensível e desejável a quase todos.

É interessante Trama Fantasma se concentrar nos detalhes dessa carreira e desse artista. Existe sempre lendas envolvendo o sucesso dos vitoriosos. O que é difícil para muitos entender é que geralmente esses heróis estão dispostos a realizar o que poucos fazem. Tanto positivamente quanto questionavelmente. O estilista do filme é um artista. Naturalmente voltado a si, sua capacidade de egoísmo e frieza seria quase impossível não se manifestar. Até esse ponto, a história é a mesma de bons filmes que tratam do mesmo tema. Mas tudo entra em outro nível graças a duas pessoas: o diretor Paul Thomas Anderson e o ator Daniel Day-Lewis vivendo Reynolds.

 

O diretor demostra o que é realizar um cinema de autor. É impressionante tanta beleza nas imagens apresentadas, no desembaraçar da câmera que ora flui como se não estivesse ali, ora nos dá dicas dos personagens. A beleza está nas cores desse filme, ora clara para os espaços de luxo e momentos de luz, ora mais escura para o suspense e momentos íntimos. Ok, é um mecanismo óbvio, mas entenda que fazer um bom arroz com feijão qualquer um pode fazer, mas tornar aquele basicão uma feijoada suntuosa é para poucos. Por isso você fica envolvido logo nos primeiros minutos do filme. Isso meu caros, é o trabalho de autor de um diretor de cinema. Vou dar um exemplo: Stanley Kubrick em De Olhos bem Fechados (1999) conseguiu em uma simples cena onde Tom Cruise é apresentado/confrontado a uma plateia de mascarados uma das cenas mais icônicas da história do cinema: é quase impossível você não se sentir incomodado com a música de fundo e o mistério dos movimentos apresentados.  Isso é ser um autor. É entrar em lugares pouco explorados, descer abismos perigosos e belos. Você pode até achar Trama Fantasma longo, mas é inegável ficar envolvido. Esse filme te acompanha após seu término.

Se não bastasse tudo isso, a história não se limita ao personagem principal. As amantes de Reynolds são sua constante fonte de inspiração. Quando uma jovem a sua altura chega, o amor se mistura com a inspiração e as possibilidades destrutivas são anunciadas. É o momento de confusão que chega para nos surpreender. É interessantíssimo que tudo acaba se voltando para a persona do estilista. Ora, o roteiro é escrito pelo próprio Paul Thomas Anderson, assim como a fotografia.

Daniel Day-Lewis é daqueles atores que te deixam sem chão. Entrega, esse é o nome. Quanto mais ladeira abaixo o ator consegue ir, mais nós presenciamos personagens incríveis. Já fiz essa pergunta: Até que ponto um ator pode chegar? Fica claro que Daniel mistura simplicidade e naturalidade na construção de seu personagem. Reynolds não é afetado, é um estilista sério, um homem e artista apaixonado, obcecado por criar, impaciente com a mediocridade, arrogante por necessidade. O ator anunciou ser seu último trabalho. Uma pena!

Os diretores de cinema possuem a fama de serem excêntricos. A sensação que tive durante o filme é que Reynolds poderia ser o próprio diretor, mas em sentido geral. A obsessão do estilista por sua arte é o próprio controle de Paul Thomas Anderson em todos os detalhes desse filme. A história do cinema está repleta de clássicos que colocam muitos dos filmes atuais a uma inferioridade vergonhosa. Sem contar que é normal repetir temas, pois há muitos filmes que abordam a moda, tanto quanto os que abordam a vida pessoal de artistas. Mas o grande barato do cinema é o tempo. Cada filme possui destino imprevisível. O esquecimento atua como controle de qualidade embora isso seja um equivoco em si. Mas o fato é que obras de arte como essa, criada por esse jovem diretor, perduram e influenciam gerações de outros cineastas. Uma Sessão da Tarde e os filmes menores que a acompanham tem sua importância, mas um filme que fica na sua cabeça por anos e que tem a capacidade de lhe trazer questionamentos íntimos é um oásis no deserto calorento que nossas vidas podem ser. É a arte do cinema de autor. Obrigado Paul, Felini, Bergman, Kurosawa’s, Pedro, Scott, Pasolini, Steven, Woody, Glauber, e tantos outros. E claro, Kubrick.  Vocês são o absurdo.

Nota: 5/5

 

Trailer Oficial:

Vitor Damasceno

Estudante de cinema atualmente vivendo em Buenos Aires.

2 thoughts on “Crítica “Trama Fantasma”

  • Luana Souza

    Pude entender um pouco mais desse filme após essa critica, e que bacana mostrar essa busca pelo topo como ela é. As dificuldades enfrentadas, coisas que talvez precisamos abrir mão, e até mesmo o egoísmo mostrando que não é só querer é preciso batalhar. Realmente o sucesso é desejável por todos mas nem por isso se torna fácil de alcançar.

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  • Nathalia silva

    Pela crítica acima, vejo que a qualidade do filme, apesar do todo, pode ser centrada em dois fatores. A atuação do Daniel que parece ser uma obra prima, tendo em vista sua criação de um personagem que pode ser tudo, menos medíocre. E o trabalho de detalhes feito pelo diretor, coisa até rara de se ver em filmes atuais, não é mesmo? Foram tantos elogios que fiquei com uma vontade imensa de assistir.

    Beijos

    Resposta

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