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Cidade Invisível | Resenha

“Cidade Invisível a nova série Netflix foi desenvolvida por Carlos Saldanha, de “Rio” e “A Era do Gelo”

Desde o modernismo brasileiro e a profusão de folcloristas há quase um século, todas as noções academicamente aceitas sobre o tema estão em constante disputa. No senso comum, no entanto, imperou e ainda impera um grande vazio. Desse modo, qualquer produção que pretenda falar sobre isso marca uma posição no debate mais profundo acerca do Brasil e sua brasilidade (que talvez melhor coubessem no plural) ou assumem que se apoiarão no senso comum e sua ausência de discurso. Cidade Invisível, série nacional na Netflix, opta pelo segundo caminho, supostamente elevando a qualidade técnica das produções nacionais enquanto reacende uma velha discussão que infelizmente, não parece dar nem um passo adiante agora.

A produção tem padrão Globo de qualidade e entenda isso como quiser, já que o que quero dizer é que ela carrega todos os méritos e falhas de uma produção com o estilo e cacoetes da emissora do PlimPlim. Estão aqui as tomadas exposítivas e as cenas de primeiro e segundo plano que fazem parte da escola brasileira.

Também está aqui a escola de dramaturgia que mescla o padrão de cinema hollywoodiano com a tradição do teatro brasileiro e seus maravilhosos exageros (como não amar a montagem do Saci fazendo traquinagens, que é tão bela em tela quanto estúpida para a narrativa e conceito).

Ainda assim, isso tudo até cria uma das melhores cenas de toda a série, quando ao emular a estética de “American Gods” com certo ar psicodélico e entorpecente, ouvimos Iara cantar para o protagonista uma versão de “Sangue Latino” com uma teatralidade que faz a cena ser bem melhor executada que as melhores tentativas da série gringa (novamente, cabem aqui as mesmas observações da cena com o Saci).

Esse jogo de “brasilidade”, sempre expressa nos cenários de casas de subúrbio e ocupações no Rio, constrasta com a constante busca de referências externas para construir uma estética “adulta” e pop de mitos e lendas, onde abundam releituras e falta folclore. Ao referenciar, esteticamente a obras como “Fables”, o já citado “American Gods”, “Supernatural” e “Grimm”, a série tem muito mais cara de estrangeira do que de nacional e não por menos, conseguiu o feito de se colocar entre as mais vistas em dezenas de países. É o emular final de uma estética americanizada, muito efetiva em seus fins.

Talvez a o motivo seja que a série tem em seu time de produção o nome de Carlos Saldanha, experiente em contar histórias universais (“Era do Gelo“) e de brasilidade de exportação (“Rio”).

O problema é que, deslocados de seu lugar e sua estética, alguns signos se tornam pastiches. O boto e o Saci sofrem disso, com a série criando ideias de que são seres de imenso poder (como manda a estética americanizada) enquanto seu visual e presença em cena não se encaixa nessa premissa. Para ficar ainda mais claro, a Cuca é apresentada como uma poderosa feiticeira, cujo poder e temor é logo quebrado aos primeiros toques de “Nana Neném”.

poster cidade invisível netflix

Ora, se a série era “para inglês ver”, me parece mais útil criar novas construções a partir dos mitos e lendas originais, ou abraçar o folclore como um todo, que perpassa também uma estética, que passa longe de não ser rentável ou popular e que mesmo o “padrão Globo” já foi muito eficiente em construir.

Depois de seu lançamento, a série explodiu em público e passou também a receber criticas profundas de racismo e de apagamento das culturas originárias. Algumas dessas críticas tem lugar e outras apenas são rage de redes sociais. Mas é fato que a série não se pretendia a agradar a estes grupos minoritários, resumindo sua participação à estereótipos (o Saci nas ocupações, o curupira como morador de rua) e em representatividade boutique (a mudança de etnia da Iara, ou a menção a uma personagem ser LGBT+).

Enfim, o maior mérito da série é fora das telas, se mostrando capaz de pavimentar o caminho para outras produções mais originais e interessantes, que possam por fim colocar o rosto dos autores daqui em destaque internacional.

Assista a série neste link.

Leia também: Resenha: Deuses Americanos, Vol 1: Sombras – Neil Gaiman

Ficha Técnica:

Cidade Invisível – 1ª Temporada (Original Netflix)  

Título Original: Cidade Invisível

Brasil, 2020

Estreia: 5 de fevereiro de 2021

Distribuidora: Netflix

Dirigido por: Júlia Pacheco Jordão, Luis Carone, Carlos Saldanha

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