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O Caso Evandro | Crítica

Para fazer a crítica de “O Caso Evandro“, me dediquei a ver todos os episódios mais de uma vez, apenas para confirmar minhas primeiras impressões. É incrível a forma como o cuidado e método de Ivan Mizanzuk foi transposto para a mídia audiovisual.

No Brasil atual, parece-me que somos reféns de um certo “jornalismo” policialesco que muito mal educou nossas audiências. Não raro damos de cara ao ligar a televisão com matérias sensacionalistas realizadas por pastiches de programas de humor que buscam na violência seu material de base. Esse tipo de mídia não apenas fere a ética e criam manchas na imagem dos profissionais de Comunicação.

Mais do que isso, quando o espectador está assistindo a programas “policiais” ou navegando em portais de notícia, exposto ao choque da composição entre palavras e imagens temos uma deseducação do olhar que mira em especial numa especie de justiçamento midiático catártico, que espelha e molda a realidade social.

Seria fácil cair nesses erros com um material como o de “O Caso Evandro”, seguindo a progressão natural das coberturas e materiais do caso, mesmo que dirigido para novas direções reveladoras. Mas fazer isso seria um demérito. Ciente disso, a produção acerta em colocar a ética em primeiro lugar e endossa suas descobertas.

“As bruxas de Guaratuba”

A série conta a história por trás de um dos crimes mais intrigantes do Brasil, a partir do podcast criado por Mizanzuk.

Em abril de 1992, o menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, desapareceu misteriosamente em Guaratuba, no litoral do Paraná. Dias depois, seu corpo foi encontrado em um matagal da cidade, sem vários órgãos, com mãos e pés amputados. Alguns dias depois, a filha e a esposa do prefeito da cidade foram presas e acusadas juntamente a outras cinco pessoas que confessaram o crime em um “ritual de magia negra” que também ficou conhecido como As Bruxas de Guaratuba.

Uma história que envolve conflitos políticos entre figuras poderosas, uma atuação policial e jurídica que ainda se mantinha fiel aos métodos da ditadura militar e em especial, ao pânico de uma população religiosamente fanatizada pelo medo, o final não poderia ser pior. Elementos como vingança, infidelidade conjugal, conspiração política e rituais satânicos marcaram a investigação do caso, mascarando o preconceito com religiões afro e possivelmente, deixando um criminoso a solta e ao menos mais uma vítima com a identidade desconhecida.

De podcast à série documental

O “Projeto Humanos”, podcast que Mizanzuk mantem nas mais diversas plataformas levantou, como parte de uma análise sistemática e metódica, dezenas de horas de conteúdo didático e minucioso. Com certeza, o maior desafio da produção da série documental foi transformar os materiais de áudio em audiovisual, uma vez que o podcast conta com informações extremamente detalhadas e que as fontes são difusas e muitas vezes mal preservadas.

Do ponto de vista do audiovisual, a direção de Aly Muritiba e Michele Chevrand contorna isso com classe. Ao mesclar imagens de arquivo com sua reprodução em um televisor de tubo, somado ao uso inteligente da trilha e de reconstituições, a série provoca uma imersão absoluta enquanto constrói sua narrativa até a revelação do último episódio. Não deixa de ser, também, catártico. Mas acima de tudo, ético e competente, como se espera da intercessão da arte e da investigação.

No fim, o sabor é amargo como a realidade. A série nos mostra que o destino daqueles que são colocados diante da violência no país, ao buscar justiça (seja na condição de vítima ou de acusado) é ser triturado por esse mesmo sistema que deveria buscar a verdade. Temos muito que aprender com O Caso Evandro.

O Caso Evandro
Globoplay, 2021
Direção: Aly Muritiba e Michele Chevrand
Duração: 290 minutos

Assista na Globoplay

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