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Crítica do Filme “Uma Mulher Fantástica”

 

Uma Mulher Fantástica (2017) – Una Mujer Fantástica

Marina (Daniela Vega) é uma garçonete, transexual, que canta nas boates nas noites de Santiago, no Chile. Com a morte de seu  namorado, Orlando (Francisco Reyes) ela precisa superar a dor da morte e lidar com o preconceito. Dirigido por Sebastián Lelio (Glória, 2013), o filme venceu o Urso de Prata, em Berlim, na categoria melhor roteiro.

| Drama | 7 Setembro 2017 (estreia no Brasil)

 

Diante da morte, buscamos amparo. Durante a vida, entendimento. Em nossas relações sociais, respeito. Ao observar e entender a vivência de uma mulher trans na sociedade contemporânea, nos deparamos com o oposto do que é almejado, para uma vida de qualidade física e emocional. No Brasil, os dados são tristes: a expectativa de vida delas é de 35 anos e, somos o país que mais mata travestis. No Chile, em diversas entrevistas, a atriz principal Daniela Vega, explana como as políticas públicas com relação as demandas da população trans estão estáticas, dificultando assim sua inserção social. Com isso, podemos perceber que a dignidade buscada, só é obtida por alguns.

Nesse filme, há diversos momentos em que a personagem de Daniela é discriminada, agredida e ameaçada por pessoas comuns, que a veem, como é citado em uma das cenas, como uma Quimera; um perigo que deve ser combatido, eliminado. Marina é maltratada pelos médicos que atendem seu namorado, pelos policiais que a abordam, pelo filho de Orlando e seus amigos, pela ex-esposa do companheiro, pelos olhos que a escaneiam pela rua, enquanto esta caminha.

A jornada de alguém que precisa se proteger da ignorância alheia, a cada passo que dá, é o que me provocou maior sensibilidade ao ver o filme. Os momentos em que a personagem se cala, apenas respirando ou olhando ao redor, o close em seu rosto, suas mãos trêmulas, são emocionantes, justamente por tratarem de maneira natural a reação física de uma pessoa desgastada pela dor e pelo medo. O desprezo com o qual ela é constantemente atacada, por meio de falas ou gestos, me atingiram ao ponto d’eu perceber que em alguns momentos estava prendendo o ar, angustiada.

O descaso e a necessidade de provocar o constrangimento do outro, que se encontra em posição mais frágil,  é mostrado diversas vezes durante o filme. Em um certo momento, ao ser abordada por um policial, este – ao coletar seus dados para preencher um boletim de ocorrência-, faz questão de a chamar pelo nome de batismo. O incômodo, diante da veracidade com a qual a situação acontece, me deixou desconfortável, ao sentir o escárnio daquele que opta por ser o que inflige, em alguém com quem sequer se importa. Ainda assim, Marina pode contar com as pessoas ao redor que a amam. Até no lugar mais improvável, existe uma personagem, que da sua maneira a apoia ao proclamar diante dos que a atacam, “ela é uma mulher”.

O filme de Sebastián Lelio possui um roteiro bem desenvolvido, de maneira linear, enxuto o bastante para ter diálogos que transmitem com eficácia a mensagem desejada. Seu enquadramento bem centralizado, em inúmeros momentos que Daniela é filmada, destacam seu belo rosto, criando uma forte ligação com os sentimentos interpretados em cena. A situações demonstradas são cotidianas o bastante para que a empatia espectador/obra ocorra sem dificuldade. Aos mais sensíveis, recomendo lenços, pois as lágrimas saem sem que percebamos. A sequência em que a atriz canta “Obra mai fu”, de Handel é a cereja do bolo.

Vega, atriz e cantora lírica (como sua personagem) foi uma escolha honesta para interpretar a protagonista do filme. Em um meio, no qual as mulheres trans ainda estão sendo inseridas e, em que as personagens trans são interpretadas por homens e mulheres cis travestidos, ter essa representatividade é importante para que esse diálogo e visibilidade existam. Trazer ao público essa temática de uma maneira tão sensível, valoriza a luta delas, por seus direitos e por respeito.

Não sou inocente de pensar que essa é uma realidade próxima e tátil a todas que se encontram nesta situação, mas tento me apegar a perspectiva de que as coisas podem mudar. O que fica pra mim é a certeza de que mesmo diante das pedras que o caminho as impõem, essas mulheres fantásticas, a cada dia, conquistam seu lugar.

Nota: 4/5

*Dedico esse texto, a minha amiga Babi Macedo, mulher trans, artista plástica, guerreira, que me inspira e apoia. Te amo e te respeito! 

Yasmine Evaristo

Artista visual, desenhista, eterna estudante. Feita de mau humor, memes e pelos de gatos, ama zumbis, filmes do Tarantino e bacon. Devota da santíssima Trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch, sempre é corrompida por qualquer filme trash ou do Nicolas Cage.

25 thoughts on “Crítica do Filme “Uma Mulher Fantástica”

  • Vitor

    Lindo Yasmine, deu mais vontade de ver o filme !

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    • Yasmine Evaristo

      Veja sim, vc vai amar.

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  • Sara

    Nossa! somente de ler o post senti a aflição da protagonista,com certeza eu quero assistir o filme,é triste saber que o filme retrata a realidade em que vivemos hpje,a falta de respeito para com o ser humano,aqueles que devia proteger é o que agride,Yasmine eu gostei muito desse post e despertou em mim a vontade de assistir o filme,obrigada! abraços

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    • Yasmine Evaristo

      Que bom que você ficou interessada. Acho que é um filme que deve ser visto, pois é lindo esteticamente e aborda um assunto sobre o qual devemos pensar criticamente.
      Abraços.

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  • Érika Rufo

    Deu pra sentir a agonia da protagonista ao ler a resenha. É muito triste como o ser humano trata o seu semelhante, com tanta agressividade e falta de respeito. com certeza quero ver o filme!!

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    • Yasmine Evaristo

      Veja sim, a abordagem mais delicada não deixa de transparecer a tristeza que ela vive por ser discriminada.
      Abraços.

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  • Yasmine!
    Não entra na minha cabeça, em pleno século XXI, onde a tecnologia é tão avançada e tudo se resolve em um clic, que ainda exista preconceito, não apenas com os trans, mas qualquer tipo de preconceito.
    Não conhecia o filme e é uma ótima oportunidade para que a sociedade visualize o que elas passam e que o assunto possa ser debatido.
    Obrigada pela indicação.
    Desejo uma ótima semana de luz e paz!!
    “A sabedoria não está em não falhar ou sofrer, mas usar nossas falhas para amadurecer e nosso sofrimento para compreender a dor dos outros.” (Augusto Cury)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE SETEMBRO 3 livros, 3 ganhadores, participem.

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    • Yasmine Evaristo

      Uma tristeza mesmo pensar em como as pessoas discriminam as outras.
      Que bom que gostou da indicação.
      Abraços.

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  • Camila Rezende

    É uma pena que em pleno século 21 pessoas sofram preconceito por ser quem elas são.
    Acho importante livros e filmes sobre esse tema pra mostrar para as pessoas um pouco da realidade que pessoas trans sofrem.
    Primeira vez que ouço falar desse filme e gostei de saber que ele recebeu um prêmio, espero que com isso as pessoas de uma chance e convençam outras pessoas a assistirem.

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    • Yasmine Evaristo

      Também tenho essa expectativa Camila, de que as pessoas vejam e entendam mais sobre o assunto. Um aprendizado válido.

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  • Rafaela

    Eu não conhecia esse filme, mas já fiquei bem interessada nele. A premissa do filme é muito boa, e o filme aborda um tema bem legal e que quase não vemos em filmes. Eu adoro conhecer filmes novos, e já vou procurar esse filme pra assistir. Adorei a dica 🙂

    Beijos!

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    • Yasmine Evaristo

      Sempre é bom conhecer novidade no cinema. Aumenta as possibilidades de aprender mais sobre filme. Espero que você goste mesmo.

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  • Pamela M.

    Muito legal a premissa desse filme. Eu nunca tinha ouvido falar dele, e ele não chegou nos cinemas da minha cidade ainda, mas já estou querendo muito ver.
    É tão difícil entender que hoje em dia ainda existe esse preconceito, e é muito triste ver que toda essa história do filme é real, e já fico imaginando como deve ter sido para ela passar por tudo isso.
    Já deu pra perceber que vale muito a pena ver esse filme, e já coloquei ele na minha lista!
    Bjss ^^

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    • Yasmine Evaristo

      Ah, que bom saber que vc se interessou por ele. Espero que vc goste, quando assistir. Beijos.

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  • Franciele Débora

    Olá, tudo bem?
    Me interessei muito pra ver o filme, pra saber como realmente ela consegue lidar com uma sociedade preconceituosa, que ainda julga o seu humano por ser “diferente”, não me entra na cabeça que ainda existe seres humanos assim. Me dá desgosto de ver uma sociedade assim.
    Mas vou ver esse filme sim e adorei a dica!
    Beijos.

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    • Yasmine Evaristo

      Esse filme foi muito suave para lidar com uma situação triste. A beleza dele vem disso.
      Espero que você goste.
      Abraços.

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  • Lara Caroline

    Olá Yasmine, tudo bem?
    Que crítica mais linda e sensível. Não conhecia o filme, mas já estou querendo assistir. Infelizmente este preconceito ainda está muito enraizado na sociedade, igual um câncer que se instala e só faz mal. Seria ótimo se todas as pessoas soubesse se colocar no lugar das outras, para entender as dores que este pessoa sofre, e então parar de julgar como se tivessem este direito.
    Adorei sua resenha.
    Beijos

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  • Paulinha S

    Ah que bela crítica! Deu vontade de assistir ao filme. Torço pela Marina, pela igualdade, pela liberdade… e acho que esse filme é um grito para gente acordar e respeitar as diferenças.
    Um beijo

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    • Yasmine Evaristo

      Concordo demais com vc Paulinha. Torcemos pelo respeito que as Marinas do mundo merecem.

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  • Sempre bacana a gente ter oportunidade de conhecer filmes novos e que tratem assuntos assim. Realmente fiquei muito intrigada com a historia e ainda mais depois de olhar o trailer, super atual a proposta e ao mesmo tempo muito misterioso. Excelente indicação! Dica anotada….

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    • Yasmine Evaristo

      Espero que você tenha gostado. Realmente um filme sensível e bem executado.

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  • Bárbara Aline

    Lembrei essa semana dessa resenha, com o anuncio da tal “Cura Gay”, mais uma realidade do pais em que vivemos, que reconhecem o publico lgbt como um grupo que precisa de cura, lamentável.

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    • Yasmine Evaristo

      Triste mesmo, esse tipo de discriminação.

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  • Oi Yasmine, tudo bem?
    Nossa eu estava a procura de um filme ou documentário assim, então essa dica caiu do céu para mim, na minha opinião esse é um filme que todos deveriam assistir, acho um absurdo o ser humano ter evoluído tanto, mas no quesito respeito, e aceitar o próximo ser tão inferior ainda. Gostei de saber de como a protagonista passa isso para quem está assistindo, toda essa angustia, e medo que querendo ou não tem. Amei a resenha do filme, vou tentar assistir esse final de semana. Beijos <3

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    • Yasmine Evaristo

      Espero que o filme tenha sido muito útil já que você estava procurando algo do gênero.
      Realmente ele levanta questões que precisam ser debatidas.
      Abraços.

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