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Marighella | Crítica

Em sua cena de abertura, “Marighella” nos apresenta tudo que quer nos dizer. O personagem título, vivido por Seu Jorge, é um ícone da liberdade, um homem da justiça como antes dele foram Robin Hood e o Zorro, que lutam sem derramar uma gota de sangue inocente. Se fiz aqui referências a personagens que não existem, é por que o Marighella do filme também nunca existiu, e precisamos tirar esse elefante da sala.

Usualmente, cinebiografias precisam escolher uma lente para retratar seus personagens históricos, e quase sempre o fazem por um filtro mais gentil da realidade. Este filme não é exceção e embora isso seja problemático em alguns momentos – chegaremos lá -, na maior parte deles contribui para uma narrativa envolvente que se contrapõe a uma outra, igualmente mentirosa e claramente mais brutal que tenta tornar o guerrilheiro brasileiro num demônio comunista comedor de criancinhas. E funciona, o resultado após a primeira cena, enquanto a trilha de Chico Science sobre, didaticamente nos dando o tom da mensagem, vibramos mesmo vendo ali um anti herói clássico e um legitimo herói do povo.

Deixarei a quem quiser conhecer a história da figura histórica de Marighella que corra atrás de suas biografias e – mais importantes – seus próprios escritos. Falemos antes de algo extra-tela que não se pode deixar de lado.

A perseguição contida nas filigramas dos escritórios de Brasilia para postergar o lançamento deste filme é uma das maiores vergonhas a qual nossas agências de fomento se permitiram submeter. Em nome de um homem que mente ter perseguido Lamarca em vida (taí outro digno de cinema hein), perseguiram a memória de Marighella. Isso entra para a história como um dos signos mais visíveis do avançar fascista nesse nosso pequeno grande país.

Com isso em mente, torna-se um alento à revolta do expactador consciente que o filme permaneça sempre no campo do maniqueísmo. Ora, se os mitos modernos de fundação desta nação são os do anticomunismo e a simplificação grosseira da realidade, que a arma oposta também o seja. Os vilões do filme, portanto não são nada além de pessoas más, violentas e assassinas. Os mocinhos não, são a juventude e a esperança, os poetas e os revolucionários, confiantes de que “quando o povo entender o que está acontecendo, ficará do nosso lado”, diz Marighella mais de uma vez. No Brasil de 2021, soa esperançoso demais.

É, portanto, um filme para iniciados e que fará o outro lado (até mesmo os mais “moderados”) torcerem o rabo. Que torçam. O lançamento é uma vitória, a produção é uma vitória, feita para colocar alguns pesos em uma balança que por décadas pendeu para tirar a humanidade de uma de nossas figuras mais humanas.

Dito isso, vamos aos pequenos problemas. Wagner Moura, um ator de mão cheia, ainda tateia como diretor. Se em alguns momentos é muito inspirado – como na já citada cena inicial – erra por repetir temas demais ao longo do filme e, não tendo muito mais compor, emula um estilo americano de filmagem que as vezes beira a cópia – a cena da despedida de Marighella e seu filho parece saída de “Moonlight“. Também por fazer um recoste nos dias finais da vida do guerrilheiro em boa parte do filme, perdemos o lado estrategista e político de um Marighella jovem.

Seja na tribuna, nas ruas ou escondido escrevendo seu manifesto, tudo isso marca a sua figura em nossa história. E aqui mora o maior erro do maniqueísmo, ele não permite que a grandeza se revele tanto em seus momentos mais belos quanto nos mais obscuros. A construção de uma figura mítica pode por vezes esbarrar em uma higienização, e soa até mesmo estranho que o grupo de revolucionários do filme nunca se afirmem como comunistas, por exemplo.

Por fim, colocar a figura de Marighella de novo em foco e o resgatar das línguas sujas que o tomaram foi importante, agora que os próximos passos sejam dados. Temos aqui a figura de um clássico, e podemos fazer mais com ela no futuro.

Veja o Trailer.

Marighella

Marighella

Brasil – 2019

CLASSIFICAÇÃO: 16 anos

155 minutos

DIREÇÃO: Wagner Moura

ROTEIRO: Wagner Moura, Felipe Braga

ELENCO: Seu Jorge, Humberto Carrão, Adriana Esteves

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