Resenhas

Resenha: Homens sem mulheres, de Haruki Murakami

capa_Homens sem mulheres.inddNome do livro: Homens sem mulheres
Autor: Haruki Murakami
Editora: Alfaguara
ISBN: 9788579624384
Ano: 2015
Páginas: 240
Nota: 5++/5
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Murakami é um autor capaz de criar universos próprios, que se desdobram em romances de fôlego e personagens cativantes. Mas ele é também um excelente contista, e sua produção mais recente está reunida neste volume: sete histórias que tratam de relações amorosas e trazem o estilo único do autor.
São contos sobre o isolamento e a solidão que permeiam as relações amorosas: homens que perderam uma mulher depois de um relacionamento marcado por mal-entendidos. No entanto, as verdadeiras protagonistas destas histórias — cheias de referências à música, a Kafka, às Mil e uma noites e, no caso do título, a Hemingway — são as mulheres, que misteriosamente invadem a vida dos homens e desaparecem, deixando uma marca inesquecível na vida daqueles que amam.

 

Haruki Murakami é um autor extremamente obsessivo. Por gatos, telefonemas durante a madrugada, sexo estranho, mulheres misteriosas, por realidade e surrealismo disputando a atenção do leitor. Homens sem mulheres não é exceção, Murakami é um camaleão da literatura com estilo próprio inconfundível, um herdeiro de Franz Kafka, Hemingway e Fitzgerald que facilmente transita por diversos gêneros, levando o leitor por caminhos sem volta.

Homens sem mulheres é uma coletânea de sete contos, alguns deles têm potencial de se tornarem novelas e todos têm finais pouco conclusivos, como é freqüente nas obras de Murakami e de vários outros autores japoneses. Há esperança que algum dos contos desta coletânea seja ampliado para uma novela, isso já ocorreu com Wind-up bird chronicle (ainda inédito no Brasil), que foi publicado primeiro como conto e acabou como um dos mais longos romances do autor. Em especial o conto Kino tem potencial para ser uma novela, seu estilo é muito parecido com 1Q84 e ambos compartilham diversos elementos. Também fiquei muito curioso com as circunstâncias do personagem principal do conto Sherazade. Torço muito para que qualquer um desses contos capturem o interesse do autor, os leitores fiéis já sabem como Murakami pode ficar obcecado por um novo tema.

Diferente das demais coletâneas de contos que já foram publicadas (Blind willow, sleeping woman; The elephant vanishes; after the quake; todas inéditas no Brasil), Homens sem mulheres é completamente temática, todas as histórias compartilham personagens principais que lidam de uma forma ou de outra com a ausência de alguma mulher em suas vidas. São homens solitários, feridos, que não tem certeza de como lidar com seus sentimentos enquanto essas mulheres entram e saem de cena, deixando impressões duradouras. O conto que leva o título da obra deixa uma impressão muito forte e até perturbadora, é inspirado em uma coletânea de contos de Hemingway chamado “Men without women”, “Homens sem mulheres” em português, no Japão este livro foi traduzido como “Onna no inai otoko tachi” (que é o mesmo título original em japonês para o livro de Murakami).

O conto Sherazade, obviamente inspirado nas “1001 noites”, é meu preferido, onde o personagem principal tem como amante uma mulher casada e um pouco mais velha (outro tema recorrente de Murakami) e ela sempre conta uma história após o sexo. Mas exatamente as 16h30min ela interrompe a narrativa, tem que ir para casa fazer o jantar, esperar o marido e os filhos, se veste e vai embora, mesmo quando a história está no ápice.

 

“Habara não sabia se as histórias eram verídicas, se era tudo invenção ou se era uma mistura das duas coisas. Era impossível fazer essa distinção. Parecia que nelas a realidade e a suposição, a observação e o sonho, convergiam.” (Pág. 123, Sherazade)

 

Samsa apaixonado é uma versão da novela A metamorfose, de Franz Kafka. Neste conto é um inseto que acorda um dia metamorfoseado em Gregor Samsa. Sem entender a estrutura estranha de seu novo corpo, nem como funcionam roupas, ainda assustado com os pássaros, Gregor Samsa não sabe que o mundo está perto de acabar nem que a cidade de Praga está tomada por soldados. Murakami já havia feito referência direta a Kafka na novela Dance, Dance, Dance, quando o personagem principal está lendo O processo e é detido durante vários dias em uma delegacia, sendo submetido a burocracias intermináveis e sem sentido. Samsa apaixonado recria ainda mais fielmente o estilo seco, sarcástico, humorístico e simbólico de Kafka.

A editora Alfaguara (agora parte do grupo Companhia das Letras) está de parabéns principalmente por traduzir este novo livro de um dos meus autores favoritos no mesmo ano em que ele foi lançado no original em japonês. Já li todos os livros de Murakami em português e os ainda inéditos no Brasil li em inglês mesmo. Este ano acompanhei o fórum on-line que a editora japonesa abriu para que leitores do mundo todo mandassem perguntas que Murakami responderia pessoalmente, em japonês e em inglês. Fiquei muito feliz em ver que o tom das respostas dele e a estrutura das frases são muito parecidos com a dos seus tradutores, por isso posso dizer que também essa coletânea é muito fiel ao estilo do autor. A imagem da capa não é particularmente atraente, mais parecida com O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (que achei um pouco feia) do que com as imagens mais subliminares usadas em Norwegian Wood e Kafka à beira-mar, mas pelo menos o projeto gráfico segue a mesma linha dos demais livros do Murakami lançados pela Alfaguara e fica muito bonito na estante. Não encontrei erros de digitação, a equipe de revisão está de parabéns.

Todas as histórias desta coletânea têm uma força própria, são capazes de levar rapidamente o leitor para dentro de um universo com suas próprias regras, onde o desenrolar é completamente inesperado e o final tão súbito quanto a queda no abismo da inventividade.

Jairo Canova

Jairo Canova é Administrador e gosta de livros mais do que imagina.

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