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O Homem dos Sonhos | Crítica (com spoiler)


             ATENÇÃO: O TEXTO REVELA DETALHES DA TRAMA DO FILME (SPOILER) 
                                    escrito pelo colunista convidado Carlos Dias

Quem aqui gosta de ser confrontado quando vê um filme? Pois é, este é talvez um dos sentimentos que não esperamos ao ir ao cinema. O Homem dos Sonhos traz uma provocação leve e potente ao mesmo tempo. Temos aqui uma história linear e direta, uma crítica pessoal e ao mesmo tempo psicossocial.

O enredo está pronto. Temos o sujeito, temos os coadjuvantes, temos um roteiro de cenas rápidas e uma cenografia bem limpa. Agora precisamos de um ator que possa transmitir uma mensagem seria, que ao mesmo tempo enfatize períodos de realidade com fantasia, um ator que passe credibilidade e sustente a ideia do filme. Alguém que não tenha reservas em se doar para algo.

Em quem você pensou? 

É claro, o escolhido foi Nicolas Cage. O nosso querido e multifacetado que não tem medo de fazer caras e caretas, que consegue sorrir e chorar ao mesmo tempo. Ator este que nos deixa inquietos quanto ao verdadeiro sentimento que expressa em sua atuação, que nos faz realmente buscar mais a fundo a sensibilidade envolta na arte.

Nosso querido é um professor universitário, modesto, recém divorciado, incapaz de sustentar seus projetos de vida. Temos aqui um cotidiano quase beje de sua vida e família.

Mas sem delongas o roteiro já nos lança no gancho do filme: RELAÇÕES IMAGINARIAS.

Abruptamente, muitas pessoas de seu círculo, começam a notar que Paul (Nicolas Cage) é uma figura presente em seus sonhos. A priori, estes acontecimentos despertam curiosidade e um certo senso de novidade em todos. O nosso personagem se recusa a aceitar ou lidar com o fenômeno, não dá importância aos fatos, pois eles não o afetam diretamente.

Os relatos de sonhos, tem sempre as mesmas características. São sonhos em que as pessoas estão passando por um momento de perigo, seja uma catástrofe, um ataque de animais selvagens, ou um terremoto. A figura de Paul aparece nestes sonhos, porém inerte, não interfere em nenhum momento, fica imóvel e ate nega ajudar.

Os sonhos vão mudando de formato, quando Paul começa a interagir com as pessoas em seus sonhos, as vezes realizando fantasias, as vezes fazendo alguma citação ou mesmo dando apoio.

Então vamos para uma terceira fase, quando Paul começa a ser o ator principal em seus sonhos, que agora parecem alucinações. Ele agora estrangula, violenta e degola.

Mas o que acontece na vida real, durante esta evolução de estágio dos sonhos? Paul começa então a se envolver com esta popularidade, que de inicio não queria fazer parte, ou achava irrelevante.

Agora ele aproveita para sustentar o lançamento de seu livro, que antes não tinha capacidade de levar adiante. As pessoas são cada vez mais curiosas, querem tirar fotos, querem contar suas experiencias, a rede cresce exponencialmente.

No segundo estágio, já começa a causar uma certa inconveniência, uma certa quebra de limites na pessoalidade de cada um. Na verdade, as pessoas toleram a intrusão deste personagem em seus sonhos contanto que respeitem um determinado limite emocional.

A partir de então Paul começa a ser segregado, suas ações agora são questionadas e sua popularidade vai despencando.

Na terceira fase dos sonhos, onde Paul começa a ter acesso as dores e medos das pessoas, onde ele se torna agressor e algoz delas, sua persona já é odiada. As ameaças colocam em risco sua vida e de sua família.

Ele não entende, pois não consegue encontrar culpa ou responsabilidade em si mesmo. Tudo isso ocorre na mente das pessoas. Em seus sonhos, é uma irrealidade transportada para o mundo material.

Não sou psicólogo, tampouco sociólogo. Mas hoje temos uma capacidade maior de compreender os fatos que nos rodeiam, e os padrões que a sociedade segue, exatamente por sermos participantes desta.

Não é difícil identificar estes fatos relatados com nossa experiencia com as redes sociais e nossas celebridades.

O que acontece:

  1. Do nada, como que em um passe de magica, sem histórico ou previa, alguém surge neste mundo como uma celebridade. De um momento para o outro, estas pessoas começam a usufruir do seu momento de fama. Tudo que ela faz se torna importante por aquelas pessoas que acompanham sua rotina. Mas esta interação é apenas supositiva, pois não há uma interação real. Não há resposta de um dos lados. Não há interesse ou reciprocidade, há sim uma via de mão única, onde uma pessoa se mostra e as outras sentem que fazem parte daquilo.
  2. O próximo estágio é onde esta ilusão começa a se aprofundar, quando por um sentimento de rebanho, todos começam a comentar, questionar ou sugerir algo nesta relação, que continua sem retorno. Nossa vida começa a fazer sentido a partir do momento que observamos a vida de quem admiramos, mesmo sem saber o motivo exato desta admiração. Nos divertimos e ansiamos por novidades, então surgem sentimentos que começam a se tornar abusivos, muitas vezes queremos ser como estas personalidades, queremos ter o que elas têm, sonhamos os sonhos delas.
  3. Por fim vem o desfecho quase inevitável desta relação maluca. A nossa eleita celebridade começa não por deslize, mas por naturalidade, a mostrar defeitos e falhas que nós, mesmo tendo os mesmos problemas, não aceitamos que elas sequer expressem. É inadmissível a opinião tal, não é aceitável o relacionamento tal, não era isso que eu esperava dizem. Tinha outros planos para minha celebridade. Chegamos no ponto em que esta relação começa a nos fazer mal, mesmo assim estamos presos em um relacionamento abusivo, que só ocorre em nossa mente, em um mundo binário, composto por algumas fotos e algumas frases sem sentido.

Agora os elogios são trocados por insultos. O carinho trocado por repulsa.

Esta é a provocação do filme, como você se sente com esta mensagem sendo revelada por trás da atuação maravilhosa do nosso amigo?

Há uma identificação? Havendo esta identificação, ocorre um desejo de reavaliar estes relacionamentos?

Todos nos acompanhamos a vida nas redes sociais de pessoas que admiramos. Poderíamos neste momento fazer um exercício de contabilizar a real importância e relevância deste relacionamento virtual. Qual a verdadeira influência destas pessoas em minha vida?

Alerta para o perigo maior: esta relação que ocorre somente em um lado do campo realmente é mais importante para mim do que as pessoas reais que me cercam, que me respondem, pessoas que posso tocar?

Eu posso decidir que fatores externos podem interagir comigo?

Ou será que não há mais tempo? Estamos tão profundamente imersos numa sociedade cada vez mais superficial a ponto de não conseguirmos tocar nossa vida sem estas pessoas de suporte.

Queridos, está aí o pensamento que somente a arte pode nos proporcionar. VIVA O CINEMA.!!!

Titulo original: Dream Scenario

1h42min | Comédia, Fantasia

Direção e roteiro: Kristoffer Borgli

Elenco: Nicolas Cage, Julianne Nicholson, Jessica Clement, Michael Cera, Kaleb Horn, Lily Bird, Marnie McPhail, Noah Lamanna

Produção: A24, Square Peg TV

Distribuição: California Filmes

One thought on “O Homem dos Sonhos | Crítica (com spoiler)

  • Catherine Costas

    Uau! Ainda não assisti o filme, mas amei o texto e com certeza, irei assisti-lo. Obrigada Carlos

    Resposta

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